quarta-feira, 4 de março de 2015

Sempre chegar, sempre partir

Alvaro Nassaralla (01/mar/15)

Distância do mar é a notícia de quem chega pássaro.

Maré entra às lufadas de ondilhas
abrindo braços que lambem os dois lados da boca 
do canal.

Pingam estranhamentos no horizonte sem luz.

Os cargueiros 
a quase 180 azimutais
aumentam e diminuem de tamanho
segundo as regras das cintilações.
 Torpedeio-os de olhares.

No pênis estendido sobre a arrebentação 
                                                             – que é o pier 
pescadores botam fé no novo arremesso.
O barulho da linha vive no ar espesso
e o mar se inflama com polpas de transe: iscas.

O mar roxo fechado 
traz faixa reflexa na linha d´água letal
filigranas acobreadas
lençóis desdobrados como escamas de mica 
para dizer que há postes nas margens.

Como todas as notícias são 
sempre não tão novas assim, 
as ondas estouram longas 
com seu abafado barulho de arrasto
prometendo línguas entorpes 
que até os mais desesperados amantes não podem.

A distância não reclama saudade das coisas 
grandes, mas dos detalhes.
 Anzol, 
meu genuíno irmão de cavar a sangue
e trazer naufrágios e submarinas estrelas,
onde estão as máquinas encalhadas da aurora?
 
Não posso quedar choro
pois seco estou
e o uso que o ar sem brisa e talco faz dos lábios 
minerais da noite  
encarrega-se de travar lutas abissais 
contra nossos corações-espadachins.
 
Maré infla. Fecunda o repuxo e peso dos astros.

Uma dupla de andorinhas passa e me leva o olhar
ao cinturão de Órion,
cingentes contas de lã alfabetas 
para leitores lácteos lançados à própria sorte.

Quem chega pássaro
sonha um mundo
da família do sorriso irmão,
e parte sutil
como névoa que só baixa
quando o canal deixa de fazer charme de puta
e se retorce em lençóis de plumas marinhas
sobre as coxas madrugalhas.

Parte sutil 
quem chega pássaro.

Parte 
sutil 
sem 
cerimônias.


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