segunda-feira, 23 de março de 2015

Acontecimento e corpos

(Texto referente a exposição de Otavio Schipper e Tove Storch na Galeria Anita Schwartz em Janeiro de 2015)

É noite quando chego - adentro - na galeria. O salão é só luz. Só claridade. É manifestação flutuante o que acontece no piso inferior. São faixas de tecido, diáfanas, suavemente estendidas de canto aos cantos, em vários níveis, contornando  por encanto quase todo o ambiente. Manchas com aspecto de 'chafé', entornado, amarelado, enferrujado, intercalam as superfícies nos fazendo - suavemente - aterrissar. Retornamos, então, repletos de imaterialidade e quase sem tocar no chão. 

Por uma escada de real existência, alcançamos um segundo piso. Em outro espaço, em um outro salão de muita luz, nos confrontamos com corpos materiais que, embora suspensos, parecem cair ao chão. São objetos, são instrumentos óticos intensamente personalizados em suas autonomias maquinais. Se veem, se entreolham, mas também veem que nós os vemos: se veem nos mostrando tudo aquilo que talvez nós, como humanos, não vejamos. Veem uma outra realidade de apenas - e muito mais - sólidos esféricos de dupla face: são as moedas metálicas, prateadas, de pura e imanente materialidade. Em cima da mesa, fotografias antigas, reveladas em delgadas lâminas de vidro, tempos passados retornando ao presente, nos entreabrem um futuro improvável.

Nossos corpos e nossas emoções nos conduzem pela mesma escada, dessa vez para baixo, de onde viemos. 

O sentimento é de que vivemos em um sonho. Um sonho que proporciona a possibilidade de nos tornarmos leves, fluidos e assim alcançar um outro estágio: o da corporeidade. Curiosa experiência proporcionada pela arte, a de conseguir inverter as leis pensadas como eternas e universais da física em que os corpos pesados estão sempre 'a-baixo' dos que são mais leves e têm como natureza flutuar. 

Enfim, saio, ainda sonolento, ainda é noite. 

José Augusto Silveira
23/março/2015

segunda-feira, 9 de março de 2015

Luz e pigmento


Mary Weatherford
Palm Reader, 2013
Flashe and neon on linen
93 x 79 inches
Obra exposta na Galeria Brennan & Griffin, NY



Experiência no mínimo bizarra esta da combinação da 'cor pigmento' com a 'cor luz'. Isto é, da combinação da superfície pintada e dos artefatos que emitem a fosforescência do neon. Combinação do pintado ontem com a luz ofuscante do agora. 

A luz não mais ilumina a obra, mas faz parte dela. A luz não é mais o que permite a construção do nosso mundo (como no período da pintura impressionista), mas ela faz parte da própria obra. Mistura de artesanato pigmentado com artefato de tecnologia luminosa. 

Sem dúvida é uma nova estética, uma nova construção, significando mais uma dobra na perpétua transformação da arte como um instrumento interpretativo do que acontece aqui e agora.

Texto: José Augusto Silveira  

Jean-Michel Basquiat


Brooklyn, Nova Iorque, 22 de dezembro 1960
Nova Iorque, 12 de agosto de 1988


Jean-Michel Basquiat pode ser enquadrado na fatídica estatística dos gênios que morreram aos 27 anos de idade. Uma overdose de heroína levou esse talento muito cedo do mundo da criação artística. Aliás, fato curioso, diga-se de passagem, ele não se considerava um artista.

É considerado como o precursor do graffiti contemporâneo e da arte urbana. 



De pai haitiano e mãe descendente de porto-riquenhos, Basquiat era autodidata e aficcionado por quadrinhos e desenhos animados e começou pintando cartoons quando criança.
Na infância, sua mãe o levou a Manhattan para ver obras de arte, e matriculou-o como membro junior do Brooklyn Museum of Art (Museu de Arte do Brooklyn ) onde cursou várias disciplinas de arte e de técnicas artísticas ainda muito jovem. 
Pintou várias batidas de carro talvez como influência de que aos 7 anos de idade foi atropelado por um carro enquanto brincava na rua. Teve um braço quebrado e lesões internas.



Seus temas era provocadores e distribuía suas obras em camadas de imagens, iconografia e textos, abordando questões de raça e cultura afro. Por isso, foi precursor não só de um a estética da grafitagem urbana, mas também de uma arte engajada, de forte expressão social e reivindicadora dos direitos dos oprimidos.

Basquiat iniciou no mundo das artes plásticas através do graffiti. Depois, abriu-se para uma variedade de tipos de tela e suporte, pintando também com muitos tipos de materiais como tinta spray, acrílico, pastel, lápis de cor, aquarela, colagem.

Jean Michel Basquiat, Self-Portrait as a heel


Basquiat revelou o submundo de Nova York nos muros, vindo depois a alcançar o seu reconhecimento artístico em todo o mundo e em exposições nas mais badaladas galerias. O New York Times (1) diz:

"Ele começou a pintar por volta de 1980 e, de repente, alcançou o status de estrela do rock no momento em que o mercado de arte foi crescendo como nunca antes. Comerciantes e colecionadores encheram-lhe com dinheiro o suficiente para ele não saber o que fazer com tanto, permitindo-lhe desfrutar o seu fatal apetite pelas drogas". 

Vindo de uma família de classe-média, Basquiat largou os estudos na adolescência e saiu de casa.

Tornou-se uma famoso anônimo ao escrever nos muros do centro de Nova York palavras como "SAMO", que significava 'same old' (a mesma coisa), “pay for soup, build a fort, set that on fire.

Desenvolveu a tag 'SAMO' com os colegas de escola Al Diaz e Shannon Dawson e passou os dois anos seguintes, juntamente com seus colegas, tornando-a pública, marcando através da cidade imagens e textos poéticos que eram frequentemente sarcásticos e bem-humorados, além de políticos.

Assinando como SAMO (Same Old)

Se tornou um artista produtivo ainda adolescente e se tornou mundialmente famoso aos 23 anos.

Depois do reconhecimento pelas Galerias de arte, continuou pintando espontaneamente em tela, papéis e outros objetos como livros, refrigeradores etc.


Apresentou-se a Andy Warhol em um restaurante, mostrando seu trabalho: foi imediatamente reconhecido como gênio. Os dois fizeram uma série de pinturas colaborativas entre 1983 e 1985.

O Brooklyn Museum diz: "Combinando elementos da diáspora africana com sua própria simbologia, Jean-Michel desenvolveu seu estilo artístico único".

Viajou para a África diversas vezes, incluse realizando uma exposição na Costa do Marfim.

O site da revista de artes gráficas ZUPI, também destaca a importância de sua obra: "(...) Basquiat deixou um legado: trouxe as culturas afro e latino americanas para a elite da arte".

Ele é considerado um talento de criatividade e originalidade excepcionais e é hoje influência marcante na poesia, no cinema e na arte em geral.

Texto: Álvaro Nassaralla


DOCUMENTÁRIO:  Jean-Michel Basquiat: The Radiant Child , dirigido por Tamra Davis

 

quarta-feira, 4 de março de 2015

Sempre chegar, sempre partir

Alvaro Nassaralla (01/mar/15)

Distância do mar é a notícia de quem chega pássaro.

Maré entra às lufadas de ondilhas
abrindo braços que lambem os dois lados da boca 
do canal.

Pingam estranhamentos no horizonte sem luz.

Os cargueiros 
a quase 180 azimutais
aumentam e diminuem de tamanho
segundo as regras das cintilações.
 Torpedeio-os de olhares.

No pênis estendido sobre a arrebentação 
                                                             – que é o pier 
pescadores botam fé no novo arremesso.
O barulho da linha vive no ar espesso
e o mar se inflama com polpas de transe: iscas.

O mar roxo fechado 
traz faixa reflexa na linha d´água letal
filigranas acobreadas
lençóis desdobrados como escamas de mica 
para dizer que há postes nas margens.

Como todas as notícias são 
sempre não tão novas assim, 
as ondas estouram longas 
com seu abafado barulho de arrasto
prometendo línguas entorpes 
que até os mais desesperados amantes não podem.

A distância não reclama saudade das coisas 
grandes, mas dos detalhes.
 Anzol, 
meu genuíno irmão de cavar a sangue
e trazer naufrágios e submarinas estrelas,
onde estão as máquinas encalhadas da aurora?
 
Não posso quedar choro
pois seco estou
e o uso que o ar sem brisa e talco faz dos lábios 
minerais da noite  
encarrega-se de travar lutas abissais 
contra nossos corações-espadachins.
 
Maré infla. Fecunda o repuxo e peso dos astros.

Uma dupla de andorinhas passa e me leva o olhar
ao cinturão de Órion,
cingentes contas de lã alfabetas 
para leitores lácteos lançados à própria sorte.

Quem chega pássaro
sonha um mundo
da família do sorriso irmão,
e parte sutil
como névoa que só baixa
quando o canal deixa de fazer charme de puta
e se retorce em lençóis de plumas marinhas
sobre as coxas madrugalhas.

Parte sutil 
quem chega pássaro.

Parte 
sutil 
sem 
cerimônias.


Terceiro encontro do Grupo de Discussão Arte na Contemporaneidade traz Otávio Schipper


No terceiro encontro do Grupo de Discussão Arte na Contemporaneidade trazemos o artista Otávio Schipper para apresentar seus trabalhos e falar de sua trajetória artística e de seu processo de criação.



Premiado no exterior, Schipper participou das seguintes exposições, segundo o site do artista:


"The Wizard's Chamber" (Winterthur Kunsthalle, 2013) “Arte Brasileira Hoje” (Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro and Pinacoteca do Estado de São Paulo, 2005), the twelfth edition of the Salão da Bahia (Museu de Arte Moderna da Bahia, 2006), the fifth edition of the Salão Nacional de Artes de Goiás (2006) and Nova Arte Nova (Centro Cultural Banco do Brasil RJ / SP, 2008). In 2007 he held his first solo exhibition “Borda de Dobras” at the Galeria Millan in São Paulo and, in 2008, the solo exhibition “Fluido Percurso” at Rio de Janeiro’s Paço Imperial. In 2010 he presented the sound installation “Mechanical Unconscious” at the Centro Cultural Maria Antônia in São Paulo and at Anita Schwartz gallery, in Rio de Janeiro. In 2011 he presented the installation Empty Voices, at Art Basel Miami Beach Art Fair (USA). In 2013, he presented the installation The Trial, developed during his time in residence at Residency Unlimited, New York, USA.